sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Janela de minh´alma


Eu tenho uma janela e dela eu não vejo nada lá fora e tudo por dentro. De dia eu olhava pra ela logo cedinho, dois ou três passarinhos bicavam o vidro, como se quisessem me avisar que o dia estava tão bonito. Eu via também meu avô passando no bequinho e ele tinha uma malinha cheia de ouro, e eu via ele banhar anel por anel e talhar pedrinhas coloridas, depois fazia um cigarro de fumo, me dava 5 reais e eu me sentia a mais rica do mundo. E lá tinha um cofre, verde e bem secreto, até hoje não sei se ele guardava algo, eu ficava imaginando quanto tinha a mais que o meu porquinho, se tinha mais de 5 reais, se tinha moedas de ouro... E tinha atrás do bequinho, uma caixa d´água tão alta, que eu precisava subir na outra caixa d´água, e eu sempre torcia pra tampa ceder e eu cair e nadar junto com os peixinhos (segundo minha vó lá tinha muitos). E de tão alta a caixa, quando eu subia me sentia no meu país.

E da janela eu ouvia o barulho do carro de som da igreja, e me dava uma tensão, podia ser algum evento da paróquia, ou a morte de alguém...Eu nunca vou esquecer do dia que ele gritou a minha dor pra cidade toda ouvir. A sala tinha cadeiras vermelhas e tinha uma radiola que tocava Roberto Carlos cantando músicas felizes, mas hoje são todas tristes. E o jardim? a coisa mais linda do mundo, cheio de rosas e caramujos, tinha tarde que eu catava a maioria deles. Tinha a minha rede, tinha "o meu programa", tinha sapoti, tinha uva preta, tinha minha vó-vida, tinha 30 coleguinhas e tinha toda a minha vontade de ficar ali por mais de 2 meses. Olhar por essa janela, é me olhar por dentro e as vezes a gente esquece quem é lá no fundo, sorte que eu tenho uma janela pra me lembrar disso.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A bailarina gorda


Como toda bailarina ela sonhava com mil saltos mortais
Os dedos do destino a desenharam gorda demais
Cada volta ou pirueta era um desastre, eram risadas gerais
E os olhos do menino que ela amava a amavam magra demais.

Cada bola de sorvete é tanta culpa, era remorso demais
E o mais lindo vestido tá guardado: gorda demais!
Cada abraço, um arrepio, ai, por um fio ele me apalpa por trás
E sente a carne mole, frouxa, coxa, gorda demais
Como toda bailarina ela sonhava com mil saltos mortais.


(Oswaldo Montenegro)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O público segredo da felicidade


É quase sempre assim, a felicidade é confundida com a liberdade, como se todo mundo tivesse consciência de si mesmo, como se todo mundo fosse capaz de escolher o caminho mais limpo, como se toda escolha viesse com certificado de garantia, como se ser livre fosse a resolução de todos os embates da vida. A maioria dos resultados pra "imagens de felicidade" no google, mostram alguém vestido com roupas simples, com os pés fora do chão, braços abertos, em paisagens naturais, na maioria das vezes sozinho, como se o atual conceito de felicidade fosse simplicidade, natureza e solidão. Eu acho engraçado.


Mais engraçado ainda é que todo mundo que se diz feliz, faz questão de gritar bem alto, de forma até arrogante e prepotente. Em quantos lugares aqui na internet já não li a seguinte frase: "Não tenho tempo para mais nada, ser feliz me consome muito". Isso me parece mais auto-promoção, do que realmente felicidade extravasada. Até porque na maioria das vezes, essas frases de marketing pessoal, são mais pra exibição, pra atingir outras pessoas (o mais interessante é que funciona, o egoísmo humano se incomoda com a felicidade alheia).


Voltando a célebre frase de Clarice Lispector, que é cuspida por tantas bocas por aí, eu particularmente não concordo nem um tantinho com essa afirmativa e olhe que sinto na pele tantas coisas que Clarice fala, sou até meio tiete, mas com isso eu não concordo. Essa propagação exagerada de felicidade, parece até meio triste, porque alguém que realmente esteja tendo seu tempo consumido por ela, não tem tempo de publicar isso em todos os cantos do mundo. E também, imagina só como deve ser triste alguém que não tem tempo pra ser triste, como faz quando tem vontade de chorar? se contem? pessoas contidas não são felizes completamente, ou essas pessoas estão tentando dizer que nunca sentem vontade de chorar? Todo mundo sente. Uns pouquinho, outros...


Que tipo de felicidade seria essa, que ocupa alguém exclusivamente consigo mesmo? a felicidade deve ser muito egoísta mesmo, pra não deixar tempo pra que o feliz divida isso com os outros. A pergunta melhor seria: que tipo de pessoa é essa, que se sente suficiente no mundo e não se disponibiliza pra contribuir com as necessidades dos não tão felizes assim? como se a gente viesse pra cá pra terra, só pra ser feliz, pronto. Se fosse assim, não viveriamos em sociedade, seríamos todos "pequenos príncipes" cada qual em seu planeta. Pra mim, essa felicidade é triste.


São felicidades pequenininhas que potencializam uma maior, pra mim é: receber um torpedo do bébs no meio da aula, pegar Rio Doce cdu e ter cadeira vaga, achar um real no bolso quando paro bem na frente da barraquinha, ter chiclete de melancia na bolsa, a bateria do MP3 durar o dia todo, Thalia esquentar meu jantar, ... Esse tipo de coisa é bem subjetiva, não tem significado pra mais ninguém nesse mundo. Cada um tem seu tantinho de felicidade diária. Já a felicidade maior, essa precisa primordialmente de gente. E acho que aqui nesse mundo ela nem é possível, basta você prestar atenção ao que tá acontecendo lá fora, que fica claro o porquê disso. Só é possível experimentar da felicidade entrando em contato, a sensação não é a daquela felicidade televisiva e convencional, o sentimento é bem maior.


E já que meu poder de síntese é zero(percebe-se pela extensão do texto) vou deixar que Tom Jobim resuma isso numa frase bem simples: é impossível ser feliz sozinho.